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Assédio moral no trabalho vai virar crime
03/04/2020

Análise do Projeto de Lei n. º 4.742/01

 

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou último dia 13 deste mês o Projeto de Lei n. º 4.742/2001[1] de autoria do Deputado Federal Marcos de Jesus (PL/PE) e foi remetido em caráter de urgência para aprovação pelo Senado Federal. O referido projeto de lei pretende ser inserido no Código Penal Brasileiro[2] o Art. 146-A e caso seja aprovado terá a seguinte redação:

 

Assédio Moral no Trabalho

Art. 146-A. Desqualificar, reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou atitudes, a auto-estima, a segurança ou a imagem do servidor público ou empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral.

Pena: Detenção de 3 (três) meses a um ano e multa. ”

 

O assédio moral ocorre quando uma pessoa, ou grupo de pessoas, exerce, de forma sistemática e frequente, sobre colega de trabalho, subordinado ou não, violência psicológica extrema, capaz de comprometer a higidez emocional. Referido moderadamente pelo anglicismo “bullying”, consiste em perseguição psicológica, a qual expõe o trabalhador à situação repetitivas e prolongadas de humilhação e constrangimento. Caracteriza-se de forma ampla, mediante a reiteração de condutas abusivas, seja por meio de gestos, palavras, comportamentos ou atitudes, as quais atentam contra a dignidade e a integridade psíquica ou física do obreiro. O assédio moral enseja a reparação civil subjetiva, decorrente da lesão ao direito da personalidade.

Normalmente, o sujeito que pratica o crime de assédio moral pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, desde que esteja em posição hierárquica superior em relação à vítima e, em contrapartida, o sujeito passivo, qualquer pessoa que exerça a condição subalterna, podendo ocorrer inclusive entre pessoas do mesmo gênero.

Contudo, o dia a dia tem revelado situações em que o assediador nem sempre está na condição de superior hierárquico, podendo ser o sujeito ativo, pessoa que ocupe a mesma posição, cargo ou função da vítima.

O assédio moral se constitui num ato antiético (por enquanto) que na maioria das vezes se mostra silencioso, afrontando a dignidade do obreiro, alterando seus valores, causando danos psicológicos, afetando sua qualidade de vida e sua saúde, podendo, inclusive, levar ao suicídio. São práticas de terror psicológico e abuso de poder no marco das relações baseadas no medo e na tirania.

 

Com isso, busca-se forçar o trabalhador a se desligar dos quadros de empregados (pedido de demissão) ou até mesmo impedir que este venha a ter sucesso em sua carreira profissional. Tal prática tão odiosa é fruto da excessiva competitividade do mercado aliada aos fenômenos da globalização e do neoliberalismo estatal. A vítima do assédio moral muitas vezes acaba perdendo a alegria, tornando-se uma pessoa reclusa e introspectiva, com baixa auto-estima e em casos extremos, pode até mesmo a chegar ao suicídio. Tal fato torna o assédio moral ainda mais grave que o próprio assédio sexual, por se tratar de prática mais ampla e consequentemente mais funesta.

A preocupação com os efeitos negativos do assédio moral levou a Organização Internacional do Trabalho (OIT) realizar estudos sobre o referido instituto. O estudo demonstrou que aproximadamente 13.000.00 (treze milhões) de trabalhadores em toda União Europeia eram assediados moralmente por seus superiores, esse número representa cerca de 9% (nove por cento) do número total de trabalhadores. O estudo revelou ainda que cerca de 15% (quinze por cento) do número de suicídios ocorreram por consequência do assédio moral sofrido.

No Brasil, tendo em vista a inexistência de lei específica que criminalize o assédio moral, o abalo psicológico sofrido pelos obreiros se limita apenas ao ressarcimento pecuniário, haja vista que a obrigatoriedade de reparar o dano moral está consagrada na Constituição Federal[3], precisamente em seu art. 5º, que dispõe que a todo cidadão é "assegurado o direito de resposta, proporcionalmente ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem" (inc. V) e também pelo seu inc. X, onde "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."

Em nível infraconstitucional, até a entrada em vigor da Lei nº 13.647/17[4] (Reforma Trabalhista), o instituto era regulamentado pelo Código de Processo Civil[5] (CPC) que em seu art. 186 prescreve: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”, que foi discutido no artigo Dano Extrapatrimonial, qual o valor de uma vida – caso ainda não tenha lido o artigo, clique aqui.

Não se pode olvidar que o instituto jurídico da reparação dos danos morais relativos ao assédio moral se apresenta hodiernamente no Direito do Trabalho como resposta à necessária tutela da dignidade, protegendo não só a pessoa em sua integridade psicofísica, bem como a solidariedade, a igualdade e a liberdade humana. Afinal, o Direito existe para proteger as pessoas e inúmeras situações jurídicas subjetivas demandam proteção, exigindo garantias imediatas e tutela. Contudo, não se mostra razoável que o agressor seja punido exclusivamente de forma pecuniária, sob pena da perpetuação e encorajamento de tais práticas.

Tendo em vista que no Brasil vige o princípio da reserva legal em matéria penal, insculpido no art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição[6], o qual estabelece que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, necessário que o PL 4.742/01 tenha aprovação de ambas as casas legislativas do Congresso Nacional. Assim, o assédio moral deixará de ser apenas uma conduta antiética e passará finalmente a ser uma conduta típica e, assim, passível da sanção penal pelo estado, desencorajando os agressores que hoje se vêm cobertos pelo manto da impunidade.

 

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[1] Acesso em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=28692>.

[2] Acesso em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>.

[3] Acesso em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.

[4] Acesso em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13467.htm>.

[5] Acesso em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>.

[6] Acesso em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.

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